5.24.2011

Lobo







Talvez eu viva mais pelas noites em que a lua esta ao alto no céu, e que eu sou alto cá dentro de mim, que quase nem me alcanço. Enquanto todos dormem na maciez de seus espíritos e corpos torpes de sono, é ali que eu vivo. Vivo em minhas próprias palavras que brotam de um silencio rarefeito, perfura-me o tanto pensar. Neste exato momento, sempre, dormente a vida eu me reencontro. E me escuto como se pertencesse a mim absoluta surdez. Eu ouço o que jamais me foi dito e uivo. É preciso se encontrar para ficar longe de si, estreitar o laço. Eu estou muito mais comigo no autoabandono, na tentativa de me desprender de mim. Estou comigo mais do que imagino que seja possível. Eu incorporo mais do meu eu querendo me ausentar de mim. Conheço a matilha e apenas por algo irracional me arrebento em carrega-la entre o ventre, entre as patas, entre os meus pelos, nos meus instintos caninos. Todos dormem, menos as palavras que pairam suspensas por todos os lugares. Sentidos densos, brutos, não se desfazem. E estou aqui velando o mistério seguinte, numa noite morna e negra como o fim de tudo. Sinto cada movimento, farejo cheiros, recomponho tudo o que tateio mentalmente. Percebo o que acontece plena e integralmente quando deixo de existir. A matilha está segura. Fecho os olhos de potencia noturna, caminho suavemente até a beira do precipício. Tradicionalmente uivo, por toda a extensão temporal da noite. Uivo sem cor, sem som, no mesmo ritmo e timbre de sempre. Sob o luar, o meu manto, verás nitidamente o meu contorno. Minha parcela masculina em genero, grau e espécie. Eu jamais descanso e jamais me retiro da ausência de estar aqui. Embora ninguém me sinta, nem a matilha. Meu coração ouvirás bater, sempre no cerne dos meus iguais, perceberás minha respiração animal e quente, porque os amo como amo a lua. Sonho apenas acordado, e por ela vivo.